O que se pode aprender sobre o bárbaro assassinato em Pio XII
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Vergonha
Ilógicos ou absurdos – como
os acontecimentos de domingo, no município de Pio XII, Maranhão.
Zona rural de Pio XII. Povoado
Centro do Meio. Era apenas uma pelada domingueira – e a vida continuaria a
mesma coisa insossa e aceitável das cidadezinhas interioranas. Mas não foi
apenas isso.
Durante a partida de
futebol, controvérsias e discussões entre o árbitro e um dos jogadores.
O árbitro esfaqueou o
jogador.
O jogador morreu.
O árbitro foi amarrado e
linchado: deceparam os seus membros, arrancaram sua cabeça e a penduraram numa
estaca.
*
O jogador esfaqueado pelo
árbitro: Josemir Santos Abreu, 31 anos.
O árbitro linchado: Otávio
Jordão da Silva Cantanhede, 20 anos.
Não eram pessoas perigosas.
Suas histórias de vida indicavam exatamente o contrário.
Eram pessoas humildes e
queridas.
*
Conheci muito bem Otávio
Jordão, aluno meu no Centro de Ensino Jansen Veloso. Conheço-o há três anos. Há
dois anos perdeu a mãe, atropelada por um caminhão na BR 316. Depois dessa
trágica perda, tornou-se ainda mais responsável e dedicado aos estudos. O
melhor aluno de espanhol do curso de Educação de Jovens e Adultos no ano
passado. Líder de sua turma esse ano.
*
Nenhuma desculpa ou
justificativa para a besteira feita por Otávio.
Contudo, a crueldade a que
Otávio foi submetido, inclusive depois de morto, causa perplexidade. Revolta.
Vergonha.
*
Em suas histórias, Kafka viu
o ser humano aniquilado pela máquina do Estado: as coisas perderam a sua
simpleza, já não entendemos como os acontecimentos sociais nos envolvem e
simultaneamente nos anulam.
Nos tristes acontecimentos
recentes de Pio XII o que vejo não é a onipresença do Estado burguês, mas a sua
falência em não garantir o cumprimento efetivo dos seus dispositivos jurídicos.
Para Josemir e Otávio e para
os assassinos de Otávio faltaram oportunidades para se desenvolverem mais
plenamente como seres humanos. Faltou educação efetiva, serviços de saúde,
emprego formal, direitos trabalhistas garantidos, um cotidiano sem tantas
preocupações e o acesso a bens culturais, que trouxessem fair-play ao espírito.
*
Faltou a base para o
desenvolvimento de uma cultura humanista que os levassem a ter a leitura como
uma opção de lazer tão ou mais envolvente que o futebol e – quem sabe – a se
interessar por um gênio chamado Franz Kafka e descobrir, sem serem vítimas, que
a realidade é mais kafkiana do que imaginaria Kafka.
A realidade se tornou mais
kafkiana do que Kafka imaginaria.
*
Se estivesse vivo, hoje Franz Kafka faria 130 anos. Ele, que morreu com apenas 41 anos, tuberculoso, em 1924. Se a tuberculose não tivesse lhe tirado a vida, provavelmente os nazistas o fariam, pois Kafka era judeu, um excepcional escritor de origem judaica (embora jamais tenha gozado desse reconhecimento em vida).
Se nem a tuberculose nem o nazismo tivessem aniquilado sua existência, talvez o próprio Kafka o fizesse: é provável que tivesse cometido suicídio por não suportar mais viver no mundo angustiante que descreveu nos seus livros.
Não; Kafka não iria querer viver 130 anos. Ele, que não queria sequer que sua obra ficasse para a posteridade: Kafka pediu a Max Brod (seu melhor amigo) que, depois de sua morte, o amigo queimasse todos os seus escritos. Max realmente era um grande amigo, verdadeiramente compreendeu a dimensão da obra de Kafka e não a destruiu.
Kafka (e Max, claro) legou-nos uma obra perturbadora e, a partir dela, um adjetivo mundial (kafkiano, em português e espanhol, Kafkaesque, em inglês) que procura transmitir esse sentimento de impotência diante de um mundo ou de situações que às vezes nos parecem ilógicas ou absurdas.
Postado por Gilcênio
Do Blog Notícias de Pio XII
Do Blog Notícias de Pio XII
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