A torcida pelo fracasso da Copa do Mundo e o valor dos contratos
0
Comentários
A torcida pelo fracasso no
Brasil é quase uma instituição nacional. É impressionante observar a quantidade
de pessoas no país torcendo para que a Copa do Mundo resulte num retumbante
fracasso, sem levar em consideração que o Brasil está inserido numa ordem
mundial e o fracasso deste tipo de evento fatalmente irá comprometer o
prestígio do país por muito tempo.
Sucesso e fracasso tem pesos
diferentes na cultura dos povos. Países como os Estados Unidos cultuam o
sucesso como doutrina. O americano médio tem orgulho por seu país liderar o
mundo e ama pessoas bem sucedidas porque elas representam a força do país. O
termo “loser” (perdedor) nos Estados Unidos é uma grave ofensa pessoal. No
Brasil, ao contrário, temos o hábito de desconfiar do sucesso como se este
fosse resultado de atividades escusas, espertezas ou sorte. A crença no
preparo, na inteligência, na boa fé, na perseverança e na honestidade é frágil.
Continua...
Temos um Estado que parece
odiar quem empreende e cria todos os obstáculos possíveis e imagináveis para
dificultar-lhe o sucesso. Uma imprensa que trabalha com a lógica que jornalismo
de qualidade deve ser sempre de oposição, sempre crítico, sempre cáustico o que
reforça a visão de que nada funciona e tudo está sempre errado. Quem busca se
informar tem a impressão que o mundo esta permanentemente em crise, que a
sociedade caminha à beira de um abismo de incúria e violência e que a economia
irá sucumbir no próximo trimestre. Não está no DNA da imprensa dar boas
notícias, mas a cultura do brasileiro de falta de compromisso com o bem público
e a dificuldade de lidar com normas e regras ética e moralmente aceitáveis só
fazem potencializar a visão negativa das coisas.
Empresários bem sucedidos no
Brasil são vistos com desconfiança. Gente como um Steve Jobs ou um Jeff Bezos
não seriam admirados nem exemplos por aqui. Prevaleceria uma visão distorcida
de que são pessoas que se deram bem porque tinham um amigo no governo ou
tiveram sorte e conseguiram uma mamata qualquer. Vemos com certo prazer a
derrocada de um Eike Batista independente de sua história e do seu mérito e nem
tomamos conhecimento de pessoas como Carlos Alberto Sicupira, Jorge Paulo
Lemann ou Abilio Diniz.
Cientistas, pesquisadores,
grandes profissionais, empreendedores bem sucedidos das mais diversas
atividades são personagens periféricos e sem importância em nossa cultura.
Somos o país da malandragem, não dos grandes feitos. Gostamos da Mulher
Melancia com sua bunda e daquele atleta do nosso time favorito que sem ter o
segundo grau completo conseguiu um contrato milionário com um clube europeu.
Temos admiração por quem consegue algum sucesso pulando etapas como a da
educação, por exemplo.
A cultura da malandragem e a
responsabilidade objetiva
Não enxergamos mérito em nossos
adversários, nada do que fazem merece nossa melhor avaliação. Não temos a
coragem de ver mérito em nossos oponentes porque acreditamos que ter esta
atitude é reconhecer que somos menores e menos capacitados. Falta-nos grandeza.
Na política escolhemos os piores, os mais espertos, os malandros, os sem
caráter, porque nos identificamos com estes personagens. Não importa que o
sujeito esteja na lista da Interpol e condenado em toneladas de processos.
Criminalizamos a política sem entender que estes personagens existem porque nós
os elegemos, somos responsáveis por eles.
O brasileiro tem este lado
negativo, mórbido de torcer para que algo não funcione porque acredita que não
será ele quem usufruirá dos benefícios. A torcida para que os estádios não
fiquem prontos, para que o planejamento falhe, para que os transportes não funcionem
e todas as desgraças possíveis e imagináveis esta no subconsciente de muitos
brasileiros de forma natural. Produzimos o “wishful thinking”, a professia
autorrealizável, se todo mundo desejar a coisa toda se concretiza pela força do
desejo. Não vencemos nossos oponentes oferecendo argumentos melhores ou um
projeto superior, mas, por ação ou omissão, contribuindo para que fracassem. E
quando acontece ocorre o que os alemães chamam de “Schadenfreud”, um grande
prazer em ver a desgraça de quem não gostamos, sem saber que em nosso
inconsciente o prazer pelo fracasso expõe nossa incapacidade em vencer, em
acreditar no sucesso.
O pior é que não nos
sentimos responsáveis como povo, responsabilidade significa comprometimento e
no fundo fomos educados para transferir responsabilidades, descrer do mérito,
do esforço, porque no fim tudo se ajeita, Deus provê. A malandragem é uma
lógica aceitável. Fazemos discursos moralistas e éticos para nossos filhos e
logo em seguida damos um golpezinho na conta do restaurante na frente deles.
Somos incapazes de dizer ao garçom que ele se esqueceu de lançar na conta o
suco de laranja que consumimos, afinal os caras também empurraram o couvert que
não pedimos.
Gostamos de andar pelo
acostamento, furar fila, sentar no banco exclusivo para gestantes no ônibus,
estacionar na vaga de deficiente nos shoppings, passar no sinal vermelho,
humilhar nossa empregada doméstica, adoramos uma indicação política e odiamos
concursos. São muitos os exemplos que demonstram quanto esta mentalidade esta
enraizada em nós.
Os contratos e o sistema de
justiça
Vemos isto também no âmbito
das corporações. Observe as grandes corporações no mercado brasileiro, como
tratam seus clientes, como os enganam com cláusulas contratuais abusivas,
promoções mandrake e atendimento de quinta categoria. Fingem observar as leis e
os direitos dos consumidores, mas contam-se aos milhares os clientes com
queixas absurdas de bancos, operadoras de telefonia, planos de saúde,
companhias aéreas e assim por diante. Os contratos no Brasil são rigorosos nas
responsabilidades do consumidor e flexíveis nos deveres das empresas. Nosso
sistema de justiça foi construído para não funcionar. Temos uma justiça
seletiva extremamente dura e inclemente quando julga cidadãos mais vulneráveis
e omissa e leniente quando julga cidadãos do topo da pirâmide social. Como a
justiça não funciona, os espertos sempre se dão bem logo ser esperto no Brasil
é um meio de vida.
A generalização é sempre
ruim porque nivela toda população pelo comportamento do que julgamos ser uma
parcela, mas já vivi o suficiente neste país para entender que o silêncio dos
que não compactuam com esta realidade é quase um endosso a ela. Afinal, quem
defende coisas como mérito, responsabilidade, honestidade, senso de dever, compromisso
com os contratos e com o país costuma fazer papel de tolo, de otário.
Complexo de vira-latas
Nelson Rodrigues cunhou o
termo “complexo de vira-latas” para definir nossa baixa autoestima depois do
fracasso na Copa de 1950 e em seguida para definir como o brasileiro se
colocava diante do mundo. O tempo passou, a sociedade evoluiu, o país cresceu e
Nelson Rodrigues continua mais atual do que nunca. Como povo continuamos um
tanto vira-latas, afinal num país onde todos são espertos no fim acaba que
somos todos otários. Daí torcer para que a Copa do Mundo não se realize, que
tenhamos uma crise de energia em escala nacional e que o fornecimento de água
em São Paulo seja racionado é tão simples quanto acreditar que os venais
atuando como parlamentares no Congresso Nacional foram indicados pelo
Presidente da Fifa.
0 Comentários